Vocação para Pesquisa .

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esde muito cedo no seu processo de institucionalização, a União do Vegetal tem demonstrado sua vocação de incentivo a pesquisas. Em 1977, quando o Centro foi atacado publicamente no Jornal O Guaporé por um médico que dizia que o Vegetal era entorpecente, a Diretoria do Centro, exercendo seu direito de resposta, pronunciou-se conclamando o meio científico a desenvolver uma pesquisa multidisciplinar cuidadosa e minuciosa a respeito das potencialidades do Vegetal em prol de um maior conhecimento dos seus poderes sobre a mente humana. O pronunciamento do Centro não restringia as pesquisas aos aspectos químicos e psíquicos, mas conclamava também que pesquisas clínicas e sociológicas fossem feitas.

O convite a comunidade científica inteirou 40 anos em 2017 e foi tema de uma publicação no Blog da UDV. Clique aqui e leia a matéria na íntegra.

Em outro momento, já na década de 1980, mais precisamente em 1985, a Dimed (Divisão Nacional de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde), por meio da Portaria nº 2/85, incluiu o Banisteriopsis caapi (Cipó Mariri) na lista de substâncias proibidas. Em decorrência deste acontecimento, profissionais de saúde filiados à UDV se organizaram para obter informações científicas a respeito do Chá Hoasca e fazer a interlocução científica com o mundo acadêmico. Naquela ocasião foi criado na União do Vegetal, o Centro de Estudos Médicos, hoje Departamento Médico-Científico (DEMEC).

Frente a isso e em colaboração com os profissionais da área de saúde, os advogados da UDV entraram com uma ação contra a decisão arbitrária da Dimed, que não estava embasada em nenhum estudo científico, e solicitaram ao Confen – Conselho Federal de Entorpecentes -, órgão juridicamente responsável pelo assunto, que promovesse estudos multidisciplinares para examinar o caso. Foi solicitado ao Confen que promovesse uma pesquisa multidisciplinar que abrangesse os aspectos sociológicos, químicos, farmacológicos, antropológicos, culturais e jurídico-constitucionais da Ayahuasca, chamado na UDV de Chá Hoasca ou Vegetal.

Embora a proposta de uma pesquisa abrangente não tenha se concretizado, o Confen formou um grupo de trabalho multidisciplinar, que após estudos, inclusive com visitas a um dos Núcleos da União do Vegetal nos estados do Acre e do Rio de Janeiro, apresentou seu relatório final no dia 02 de junho de 1992 (Ata da 5ª Reunião Ordinária do Conselho Federal de Entorpecentes, publicada no Diário Oficial da União em 24 de agosto de 1992), assinado pelo Dr. Domingos Bernardo Gialluisi da Silva Sá, confirmando a retirada do Banisteriopsis Caapi da lista de substâncias proscritas e assegurando o direito constitucional de liberdade de crença.

Ver Diário Oficial da União 24 de agosto de 1992
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Projeto Hoasca.

Apesar da solicitação da UDV ao Confen de se realizar um estudo multidisciplinar, esta pesquisa não fora realizada. Ainda antes da publicação no Diário Oficial da União do relatório do Confen, que retirava o Banisteriopsis Caapi da lista de substâncias proscritas e assegurava o direito constitucional de liberdade de crença, os profissionais de saúde do CEBUDV já estavam cientes da necessidade do desenvolvimento de uma pesquisa abrangente a respeito do chá Hoasca.

A ideia de realização desta pesquisa começa a se concretizar no ano de 1991 quando a UDV  por iniciativa do Centro de Estudos Médicos realizou o I Congresso em Saúde da UDV, em São Paulo. Estavam presentes naquele Congresso alguns cientistas e pesquisadores não-vinculados à UDV, entre eles Luís Eduardo Luna (então vinculado institucionalmente à Escola Superior de Economia Sueca em Helsinki, Finlândia), Dennis McKenna (Universidade de Minneapolis, EUA) e Clodomir Monteiro (Universidade Federal do Acre).

Naquele Congresso, o Centro lançou a proposta de realização da pesquisa. Em 1992, Dennis McKenna elaborou o protocolo de pesquisa do que viria ficar conhecido como o Projeto Farmacologia Humana da Hoasca ou Projeto Hoasca, que seria coordenado pelo Dr. Charles Grob (Chefe de Divisão de Criança e Adolescentes da Escola Médica da Universidade de Califórnia/Los Angeles).

O Projeto Hoasca envolveu nove instituições de pesquisa: Universidade da Califórnia – Los Angeles (UCLA), Universidade de Minneapolis, Universidade de Kuopio (Finlândia), Escola Paulista de Medicina/Universidade Federal de São Paulo; Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (INPA) e a Sociedade Brasileira de Psiquiatria (SBP).

A UDV, por meio do então Centro de Estudos Médicos, participou da pesquisa apenas oferecendo apoio logístico, abrindo as portas do Núcleo Caupuri, em Manaus, para o desenvolvimento de avaliações clínicas e psiquiátricas relacionadas à saúde  de seus sócios.

Os resultados preliminares daquela pesquisa foram apresentados no II Congresso Nacional em Saúde do Centro de Estudos Médicos, em 1993, e posteriormente na I Conferência Internacional de Estudos da Hoasca, que ocorreu no Rio de Janeiro, entre os dias 2 e 4 de Novembro de 1995.

Amplamente conhecidos, os resultados da pesquisa Projeto Hoasca indicaram claramente que os indivíduos avaliados gozavam de boa saúde física e mental, não apresentando qualquer padrão sugestivo de abuso ou dependência de drogas.

Hoasca na Adolescência.


Durante a I Conferência Internacional de Estudos da Hoasca, em 1995, no Rio de Janeiro, Charles Grob, pesquisador e professor de Psiquiatria, Diretor do Centro Médico Harbor-UCLA, durante a apresentação dos resultados do Projeto Hoasca, manifestou interesses em avaliar a saúde física e psíquica dos adolescentes hoasqueiros que frequentavam a União do Vegetal na ocasião da pesquisa.

Paralelamente aos avanços no conhecimento da farmacologia humana da Hoasca, pouco antes da ampla divulgação dos resultados daquele projeto, no dia 11 de agosto de 1995 foi publicado no Diário Oficial da União uma nova deliberação do Confen, interditando o uso do chá a pessoas menores de idade.

No ano seguinte, o Centro  apresentou uma petição àquele Conselho solicitando reexame da matéria e realização de estudos adequados a respeito do uso do Chá Hoasca por pessoas menores de idade, filhos e filhas dos sócios que frequentavam o Centro.

A matéria foi examinada pelo Confen, que negou  o pedido, mantendo a restrição do uso do Chá Hoasca por menores de idade. Novamente, as deliberações dos órgãos competentes eram tomadas sem nenhum embasamento em pesquisas científicas.

Nenhum estudo sobre o tema tinha sido feito sobre a possível nocividade da Hoasca quando ingerida por adolescentes. Diante dessa imperiosa necessidade imposta pela arbitrariedade do Estado brasileiro, conjugada ao prévio interesse do Dr. Charles Grob em desenvolver pesquisas sobre a saúde física e psíquica dos adolescentes que participavam dos rituais da União do Vegetal,  a UDV lançou o convite para que pesquisadores independentes pudessem realizar uma investigação científica sobre o tema. Assim pesquisadores da Universidade da Califórnia – Los Angeles (UCLA) e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) desenvolveram o Projeto Hoasca na Adolescência, cujos resultados foram divulgados no Journal of Psychoative Drugs, em 2005, e posteriormente publicados em português no livro Bernardino-Costa (org) Hoasca: Ciência, Sociedade e Meio-Ambiente. Campinas: Mercado de Letras, 2011.

Foram avaliados os efeitos de longo prazo do uso continuado da Hoasca em contexto ritualístico por 40 adolescentes com idade entre 15 a 19 anos  comparados a um grupo controle de outros 40 adolescentes, que não bebiam o Vegetal. Entendia-se “por uso continuado”, o uso de Vegetal duas vezes por mês. De um modo geral buscou-se (1) avaliar o quadro mental dos adolescentes investigados, rastreando eventuais transtornos psiquiátricos, inclusive descrevendo os padrões de consumo de drogas; (2) conhecer o funcionamento cognitivo dos investigados e (3) conhecer o universo psicossocial dos adolescentes: seus valores, crenças, mitos e visões de mundo.

Em linhas gerais, os pesquisadores concluíram que não encontraram evidências dos efeitos prejudiciais da ayahuasca em adolescentes que participam com suas famílias de rituais cerimoniais.

Os resultados encontrados configuram uma realidade bastante distinta daquela que seria esperada entre adolescentes usuários de drogas, cujas trajetórias são frequentemente marcadas pelos efeitos deletérios, que prejudicam o desenvolvimento dos aspectos individuais e sociais; frequentemente conduzindo o indivíduo a uma condição de significativa desestruturação social, familiar, laboral ou estudantil.

Novamente, a UDV participou da pesquisa apenas oferecendo apoio logístico, garantindo plena liberdade aos cientistas para desenvolverem suas pesquisas e publicarem os resultados encontrados.