Estudo estabelece marcador genético para diferenciar linhagens genéticas do Mariri. Resultados da pesquisas são convergentes com conhecimentos tradicionais a respeito do cipó

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Um estudo conduzido por pesquisadores e estudantes no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) em Manaus (Amazonas), conseguiu identificar uma região do DNA localizado no núcleo das células do cipó Banisteriopsis cf. caapi, o Mariri, que pode ser usada como elemento marcador e permite identificar diferentes linhagens genéticas da planta. Além de identificar esta região específica do DNA, os pesquisadores também compararam se há alguma correspondência entre as linhagens reveladas pelos estudos genéticos, com o saber tradicional caboclo sobre a planta. Que registra a existência de diversos tipos do cipó com diferentes nomes como: caupuri, tucunacá, pajezinho, etc. A comparação registrou alta convergência entre o resultado das análises genéticas e o conhecimento tradicional. O trabalho teve o apoio da UDV por meio do Departamento de Plantio e Meio Ambiente (DPMA) e também da irmandade de Núcleos dos estados do Amazonas, Pará, Rondônia e Acre. O primeiro artigo sobre o estudo foi publicado na revista científica Genetic Resources and Crop Evolution.

Irmandade do Núcleo Mestre Angílio , em Manaus (AM). Registro de janeiro de 2018 por ocasião da primeira atividade em campo da pesquisa, coleta de mariri nativo na Floresta Amazônica conduzida no município de Novo Airão (AM).

A pesquisa foi desenvolvida pela agrônoma Thalita Zanquetta Luz, como parte do seu curso de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Genética, Conservação e Biologia Evolutiva (PPG-GCBEv) do INPA, sob a orientação de Jacqueline da Silva Batista (COBIO/INPA). A ideia original do estudo foi concebida pelo biólogo Antonio Saulo Cunha-Machado, que foi orientando de doutorado de  Jacqueline e atualmente é pesquisador colaborador do INPA. Antonio Saulo Cunha-Machado é sócio da UDV (Corpo do Conselho, Núcleo Mestre Angílio, 2° Região) e contribuiu ativamente para o trabalho, sendo um dos autores e correspondente do artigo publicado na revista Genetic Resources and Crop Evolution.

Thalita Zanquetta Luz ao lado de Mariri caupuri em foto tirada no Núcleo Tiuaco – Manaus (AM). (Foto: Andressa dos Santos).

Antonio Saulo Cunha-Machado é descendente de indígenas. Ele relatou que sua família já plantava Mariri no âmbito doméstico, manejando-o segundo o conhecimento tradicional, e também usavam a planta no preparo do chá Hoasca. Em 2005, ele se tornou sócio da União do Vegetal, no Núcleo Tiuaco em Manaus no estado do Amazonas e dois anos depois ingressou no curso de graduação em Ciências Biológicas. Durante a graduação, interessou-se pela possibilidade de investigar, de um ponto de vista científico, as plantas envolvidas no preparo do chá (Banisteriopsis caapi, o Mariri e Psychotria viridis, a Chacrona). Mas, até aquele momento, não sabia em qual linha de pesquisa poderia desenvolver os estudos com as plantas da Hoasca, pois precisava de um orientador. Foi após começar a iniciação científica em 2009 e cursar o mestrado em Biotecnologia  que Antonio Saulo obteve fundamentação suficiente para começar a escrever um projeto na linha de pesquisa em genética.

Em 2015, Antonio Saulo ingressou no doutorado do PPG-GCBEv do INPA, também sob a orientação de Jacqueline da Silva Batista. E, em 2017, compartilhou com ela seu intento de articular um projeto de pesquisa que focasse a genética do Mariri ou da Chacrona. Jaqueline até então trabalhara com foco principal em genética de peixes, mas interessou-se pelo desafio científico implicado em iniciar um novo ramo de estudos em genética de plantas. Inicialmente, não havia recursos para apoiar uma pesquisa nestes moldes. Antonio Saulo, no entanto, procurou o Mestre Arminio Pontes, que à época era o Diretor do DPMA da UDV, para buscar orientação. Arminio lhe recomendou que conversasse com José Beethoven Figueiredo Barbosa, que à época desempenhava a função de Vice-Diretor de Pesquisas Científicas do departamento. Beethoven argumentou que conhecer melhor a diversidade genética das plantas era um elemento fundamental para desenvolver ações de conservação, e ofereceu a colaboração do DPMA e da UDV, tanto no apoio ao estudo como no seu financiamento.

Em 2017, Thalita Luz Ingressou no mestrado no INPA e estava à procura de um orientador e de um projeto de pesquisa. Nesta procura, entrou em contato com Jaqueline e Antonio Saulo, e conheceu a ideia do projeto com o Mariri. Thalita ficou intrigada com a diversidade das formas do cipó que observou entre os Mariris usados no preparo do chá Hoasca. “Vi as diferenças nos caules do Mariri caupuri e do tucunacá em fotos e aquilo me chamou a atenção. Pareciam pertencer a espécies diferentes. Fiquei pensando se poderia haver este mesmo grau de diversidade no aspecto genético, se seria possível investigar se haveriam grupos mais diversos, do ponto de vista genético. E, quando se conhece a diversidade de um ser vivo, é possível tomar medidas para conservá-la”, diz ela.

O trio então concebeu os parâmetros do estudo. O objetivo estabelecido do primeiro capítulo da dissertação e do artigo publicado foi avaliar a diversidade genética de 20 amostras de Mariri coletadas no ambiente natural e também em núcleos da União do Vegetal no estado do Amazonas. Estas amostras, por sua vez, pertenceriam a distintas etnovariedades, que é o nome dado aos diferentes tipos da planta que são reconhecidos por pessoas que fazem o uso dela, no caso, pelos integrantes da UDV, assim como por outros grupos que cultivam o Mariri. As etnovariedades avaliadas no artigo foram o tucunacá, o caupuri e o pajezinho.

Jacqueline  explica que o projeto procurou identificar sequências de genes do mariri que possam servir como “código de barras”, ou DNA barcode no termo técnico. Ela explica que o nome barcode remete ao conceito de código de barras, que é uma sequência única de dados capaz de identificar individualmente um dado produto em qualquer lugar. “Trata-se de buscar uma sequência de genes que seja capaz de identificar uma certa espécie, ou linhagem. Essa é uma metodologia padronizada, utilizada por pesquisadores de todo o mundo, que busca associar informação morfológica com informação genética”, explica. “O trabalho da Thalita conseguiu identificar sequência de genes que servem como marcadores específicos para identificar as etnovariedades do Mariri. Este foi um resultado pioneiro para esta espécie”, explica.

A pesquisa da Thalita avaliou seis regiões diferentes do DNA do Mariri: três delas localizadas no DNA do núcleo da célula e três regiões do DNA do cloroplasto (organela presente nas células das plantas). O resultado identificou que um trecho do gene chamado ITS (Internal Transcribed Spacer) pode servir como DNA barcode para o Banisteriopsis cf. caapi. As análises com base no marcador ITS permitiram identificar as etnovariedades em três agrupamentos genéticos (clados). Estes três grupos, que foram identificados pelas análises genéticas, apresentaram 100% de correspondência com os nomes dos Mariris indicados pelos adeptos da UDV: tucunacá, caupuri e pajezinho. Além disso, foram encontradas sete linhagens genéticas distintas distribuídas nos três agrupamentos (tucunacá, caupuri, pajezinho), sendo duas linhagens no agrupamento genético do tucunacá, duas no agrupamento genético do caupuri e três linhagens no agrupamento do pajezinho. Destacamos que esses resultados que foram publicados são apenas os resultados do primeiro capítulo da dissertação de Thalita.

No segundo capítulo da dissertação foram analisadas 120 amostras de mariris nativos e de plantios provenientes dos estados do Amazonas, Pará, Rondônia e Acre. Após as análises conseguimos, da mesma forma, identificar os três agrupamentos genéticos (clados) relacionados a tucunacá, caupuri e pajezinho, e também conseguimos identificar mais cinco linhagens genéticas, chegando ao total de 12 linhagens genéticas de mariri identificadas.

Essa identificação da diversidade genética entre as variedades de Mariri é um resultado importante do Projeto, explica Antonio Saulo. Ele relata que em alguns lugares da Amazônia os efeitos da exploração humana excessiva dos recursos da floresta, que inclui a retirada do Mariri nativo da floresta em grandes quantidades pelos diversos grupos que utilizam o chá, já se manifesta na forma da perda de diversidade genética nas plantas encontradas hoje nestas regiões. Constatamos essa perda nas amostras vindas de Rondônia, por exemplo, entre as quais identificamos uma linhagem apenas, nas amostras que foram analisadas. “Essa perda de diversidade nos causa preocupação”, diz Antonio Saulo. “Mas, felizmente, apesar de toda a devastação que está em andamento, ainda conseguimos observar alta diversidade genética. E essa informação é importantíssima para que se possa pensar em ações de conservação. Esperamos que esses resultados possam ser usados pelos tomadores de decisões do DPMA e contribuir para o plantio dos Bancos de Matrizes da UDV”, diz.

Os pesquisadores agradeceram a todas as pessoas que contribuíram para que essa pesquisa fosse realizada está na dissertação de Mestrado, e especialmente a direção do Núcleo Mestre Angílio em Manaus/AM, 2° Região;  a Daniel Teixeira, Mestre Representante no período que a pesquisa foi realizada, e ao atual Metre Represente, José de Jesus , que também participaram das coletas dos Mariris, e também ao Mestre Assistente Geral Francisco Soares de Jesus.

“O artigo foi publicado in memoriam de Mestre Angílio de Jesus e de Mestre José Gabriel da Costa, detentores do saber tradicional caboclo, que serviu de base para a realização desta pesquisa científica”, diz Antônio Saulo.

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