Há dez anos, o Laboratório de Toxicologia (LabTox) da Universidade de Brasília (UnB) desenvolve um papel importante e pioneiro no campo das investigações a respeito do chá Hoasca em nosso país. Esse trabalho, que já deu origem a seis dissertações de mestrado, uma tese de doutorado e oito artigos científicos publicados em revistas científicas internacionais e revisadas por pares, tem contado desde o início com o apoio da direção da União do Vegetal. À frente do LabTox e desta linha de investigação está a química Eloísa Dutra Caldas, que é professora titular da disciplina de Toxicologia do Departamento de Farmácia na UnB.
O Laboratório de Toxicologia da UnB iniciou suas atividades em 2004, e desde então já passou por duas ampliações. Graças à excelência do trabalho desenvolvido e de sua infraestrutura, o LabTox tornou-se referência na área de toxicologia na região do Brasil central, com projetos em colaboração com a polícia civil do DF e com da Polícia Federal, em tópicos nas áreas de toxicologia forense e química forense.
A toxicologia é um campo multidisciplinar, que envolve diferentes áreas do conhecimento. Mas, para fins didáticos, Eloísa costuma explicar que, enquanto os pesquisadores da área de farmácia costumam analisar um possível medicamento buscando avaliar seus potenciais efeitos terapêuticos — isto é, benéficos ou favoráveis — para um organismo, os estudiosos da toxicologia querem compreender os efeitos adversos que uma substância pode desenvolver no organismo, seja animal ou humano.
Eloísa tem familiares na União do Vegetal e contatos pessoais e profissionais com outras pessoas do Centro. Em 2000, bebeu o chá pela primeira vez. Posteriormente, sua filha, que é sócia da UDV, ficou grávida duas vezes, quando manteve a frequência às sessões e o uso religioso da bebida.
A experiência da filha mexeu com a fibra de investigadora profissional da mãe. “Tive interesse em conhecer o perfil toxicológico do chá, algo que até então tinha sido pouco pesquisado, e entender quais eram a segurança e o potencial efeito tóxico desse uso por mulheres grávidas”, relata ela.
Através dos familiares e conhecidos, ela entrou em contato com a direção do Centro para apresentar sua proposta de pesquisa e solicitar apoio, na forma de Vegetal a ser empregado nos estudos com modelos animais. A direção aprovou a colaboração, e em 2011 ela foi convidada a participar de um preparo no Núcleo Luz do Oriente, no DF.
Pouco depois do início dos primeiros experimentos com o chá no LabTox, Eloisa recebeu a visita de Marcus von Zuben, que é médico de formação, com mestrado em farmacologia e também mestre da União do Vegetal. Von Zuben pensava em propor a Eloisa uma parceria para dar início a estudos sobre as propriedades do chá. Ao saber que estes estudos já estavam em andamento, ele tornou-se colaborador dos projetos, e posteriormente professor da UnB.
Estudos em toxicidade aguda e em ratas prenhas
Inicialmente, a investigação focou na toxicidade aguda do chá (dose única), procurando estabelecer qual seria a dose necessária para levar o rato a óbito. O primeiro passo foi estabelecer a dosagem de chá a ser usada nos testes com animais, a chamada dose usual. Tomando por base a estimativa de que uma pessoa com peso de 70kg costuma beber, em média, um copo com 150 ml de Vegetal durante as sessões da UDV, os pesquisadores do LabTox calcularam uma dose equivalente ao peso dos ratos. A seguir, passaram a ministrar essa dose e doses maiores aos diferentes grupos de animais segundo protocolos diferentes — diariamente, dias alternados etc. — e assim puderam observar os efeitos.
Os estudos mostraram que não houve óbito nos animais tratados uma vez em doses até 50 vezes a dose usual, a dose máxima que conseguiu-se administrar. “Isso mostrou que o chá tem uma toxicidade aguda muito baixa”, relata Eloisa.
Outra linha de estudos utilizou ratas prenhas, procurando identificar possíveis alterações nos fetos associadas ao uso do chá. Nestes testes, além da dose usual, os pesquisadores passaram a ministrar aos animais também o equivalente a duas doses, quatro doses e oito doses. Os resultados mostraram que quando as ratas recebiam mais do que duas doses usuais diariamente, elas desenvolviam uma síndrome serotoninérgica que resultava na ocorrência de ataques epiléticos e, por fim, resultava em óbito. O estudo com doses mais altas registrou também efeitos sobre o feto. “Hoje sabemos que nos testes com ratos não se pode usar mais do que duas doses, se o chá for ministrado diariamente. Porém, se for ministrado em dias alternados, mesmo com doses mais altas os ratos ficam bem”, explica a pesquisadora.
Eloísa diz que fez uma apresentação dos resultados de seus estudos sobre toxicologia do chá a membros da direção da UDV. “Eu temia que as pessoas não gostassem dos resultados, uma vez que eles mostraram que, em doses diárias muito altas, as ratas prenhas morreram. Mas o membros da UDV receberam os resultados de maneira correta, ressaltando que o chá deve ser usado de maneira responsável. “No artigo publicado, enfatizamos que as doses que geraram toxicidade nos ratos não têm nada a ver com a maneira como o chá é usado no contexto ritualístico”, diz.
Investigando o efeito terapêutico
Embora Eloísa seja conhecida dentro e fora do país por seu trabalho sobre os efeitos adversos das substâncias, após os estudos sobre toxicologia do chá ela decidiu também investigar seu potencial terapêutico. “Eu dizia que sou professora de toxicologia e não quero estudar o efeito terapêutico de nada. Mas, com o chá não tive como fugir desse tema.”
As duas dissertações de mestrado mais recentes produzidas no LabTox trataram dos possíveis benefícios para o tratamento da dependência química de álcool, com a colaboração de von Zuben, e da depressão, mais uma vez utilizando modelos animais. O estudo sobre o potencial do chá no tratamento da depressão mostrou resultados promissores e seguem no Laboratório.
“Já existem estudos com humanos indicando o potencial do uso do chá da ayahuasca no tratamento da depressão. Isso faz sentido, porque vários medicamentos usados para o tratamento desta doença atuam no sentido de aumentar o nível de serotonina no sistema nervoso. E o DMT, uma das substâncias presentes no chá, age exatamente neste mesmo sistema. Essa se mostrou a linha de pesquisa mais promissora para se investigar utilizando modelos animais”, conta.
O projeto de doutorado recentemente defendido no Laboratório analisou o perfil químico do cipó mariri (Banisteriopsis caapi) e do chá coletados em diversas regiões do país, com a colaboração ativa de José Beethoven Barbosa, membro da UDV de Roraima. O estudo mostrou a grande variabilidade das substâncias ativas presentes no cipó (as β-carbolinas) e no chá, que também contém o DMT da chacrona. Compostos novos foram isolados que, junto com as β-carbolinas já conhecidas, mostraram uma ação anti-inflamatória importante em células do cérebro, abrindo um novo e promissor campo de pesquisa para o Laboratório de Toxicologia.
Pablo Gonçalves é membro do Corpo Instrutivo do núcleo Menino Galante em Mairiporã-SP
Clique nos links abaixo para conhecer alguns dos artigos publicados pelos pesquisadores do LabTox.
4 Comentários em “Laboratório de Toxicologia da UnB é referência nacional nos estudos a respeito do Chá Hoasca”
Parabéns pelo trabalho de pesquisas. É a ciência junto com o conhecimento Divino. Sucesso a todos que estão envolvidos nesse lindo trabalho.
Bem contente de ver o desenvolvimento desse estudo das propriedades terapêuticas do chá Hoasca. Vem muita coisa boa por aí. Eu também sou farmacêutico e já bebo o chá desde 1993, com 2 filhos adultos os quais a mãe bebeu o chá durante toda a gravidez. Sempre tive convicção que chegaríamos nesse ponto de provar perante as autoridades de que além de inofensivo, o chá Hoasca tem propriedades benefícas a nossa saúde.
Quero conhecer mais pesquisas científica sobre esse chá Hoasca .
Belo trabalho , cada dia a palavra do M. Gabriel se fortalece mais