Um experimento utilizando modelos animais conduzido no Programa de Pós-graduação em Farmacologia da Universidade Federal do Ceará (UFC) mostrou a capacidade do chá Hoasca para diminuir os efeitos da depressão causada por estresse, mesmo quando ingerido apenas uma vez.
A fim de simular as mudanças que ocorrem também nos casos de depressão em seres humanos, os pesquisadores induziram alterações hormonais e comportamentais em camundongos. A seguir, ministrando diferentes dosagens do chá, observaram uma superação dos comportamentos associados a depressão nos animais, além de uma normalização dos níveis hormonais. O trabalho contou com o apoio do Centro Espírita Beneficente União do Vegetal, que proveu o chá utilizado pelos pesquisadores.
A pesquisa foi parte do mestrado em farmacologia de Francisco Cid Coelho Pinto, sob orientação do psiquiatra David Freitas de Lucena e com co-orientação de Danielle Macêdo Gaspar, pesquisadora do Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos da UFC. Todos os três são também sócios da União do Vegetal.
Estudos anteriores, feitos em seres humanos já haviam demonstrado a capacidade do chá de beneficiar quadros de depressão. Estes resultados atraíram a atenção da comunidade científica. “Estima-se que 30% dos casos de depressão que chegam aos consultórios não apresentem melhoras quando tratados com os medicamentos atualmente disponíveis. É a chamada depressão resistente. Daí o interesse dos pesquisadores por investigar os mecanismos pelos quais o chá Hoasca reverte o quadro depressivo no animal”, diz Danielle.
A depressão é uma doença heterogênea e pode ser gerada por diversos fatores, que vão da herança genética até a história de vida dos indivíduos e os eventuais episódios de sofrimento que possam ter vivenciado. O estudo em camundongos buscou analisar um mecanismo específico, em que a depressão está associada ao estresse. “Nós usamos um protocolo para induzir um quadro semelhante à depressão nos animais, e depois ministramos uma dose única do chá para avaliar se haveria benefícios”, explica Cid Pinto.
No ser humano, a resposta ao estresse está ligada a ação de um hormônio chamado cortisol. Nos camundongos, o hormônio equivalente ao cortisol chama-se corticosterona. Foi através de aplicações de corticosterona durante 21 dias que foi induzido o quadro semelhante à depressão, constatado através de testes comportamentais e de análises hormonais dos roedores.
Os animais foram separados em cinco grupos, um dos quais não recebeu a corticosterona. A um grupo foi ministrado apenas água; a outro, um anestésico denominado quetamina, que também tem se mostrado promissor no tratamento da depressão persistente; e os dois restantes receberam o chá Hoasca, cada um em uma dosagem.
O uso de diferentes dosagens foi outra característica importante do estudo. Uma vez que trabalhavam com chá preparado pela União do Vegetal, as dosagens ofertadas pelos pesquisadores aos animais se basearam em estudos anteriores que estipulavam um volume de 150 mil como o equivalente a um copo do chá para uma pessoa de 70kg, e 75 ml o volume equivalente a meio copo. A partir dessa referência, cálculos estipularam, tendo como parâmetro o peso dos roedores, os volumes de chá equivalentes a uma dose e meia dose para eles. Além disso, por meio do processo conhecido como liofilização, foi retirada a água do chá, que adquiriu o aspecto de um pó, que foi usado para o estudo com os roedores.
Após a ingestão do chá, os roedores foram submetidos a quatro tipos de testes comportamentais. Estes avaliaram fatores como luta pela vida, tempo de imobilidade, locomoção e memória. A seguir, foram comparados os resultados dos testes feitos pelos animais que receberam apenas água com os que foram tratados com quetamina e com o chá Hoasca. A comparação revelou que os animais que receberam Hoasca e quetamina conseguiram reverter os sintomas em três dos quatro testes. Mas, no caso específico dos testes para memória, apenas os animais tratados com o chá conseguiram obter os melhores desempenhos.
Cid Pinto destaca a constatação de que a dose única pode gerar benefícios no tratamento da depressão associada ao estresse. “Estudos anteriores já mostravam efeitos positivos, mas eles envolviam o uso de várias doses”, explica. Outro aspecto promissor baseia-se no fato de que os antidepressivos hoje disponíveis no mercado em geral levam de duas a quatro semanas antes de produzirem benefícios, enquanto que o efeito sobre os camundongos revelou-se bem mais veloz.
“Os antidepressivos usuais normalmente podem levar de duas a quatro semanas para surtirem efeito, porque é preciso que ocorra a formação de novos neuroreceptores. Esse efeito rápido, que observamos no experimento, é muito interessante, e nos motiva a querer descobrir qual é o mecanismo que está ocasionando isso epor onde ele está atuando. Este é o tema da minha atual pesquisa de doutorado”, diz Cid Pinto.